quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A (verdadeira) história do Jiujitsu

A (verdadeira) história do Jiujitsu

Há uma confusão hoje quando se fala na história do Jiujitsu. Os livros, revistas e praticantes sempre falam (erroneamente) que o Jiujitsu nasceu na Índia por volta de 2000 anos atrás. Esse conceito está errado e deturpado.

Problema na tradução

A confusão já inicia no próprio nome, a grafia correta para a palavra (柔術) em japonês seria Jujutsu (para línguas anglófonas) que significa “técnica suave” ou “arte suave”. A pronúncia em português é próximo de díuu-dí-tsu (a pronúncia para nós que falamos português é alienígna e anti-natural).
O termo Ju no Kanji significa suave. O Kanji “jitsu” significa verdadeiro, portanto seria algo como “leve verdadeiro”, o que é errado, o correto é “Jutsu” que significa técnica.
Indiferente a grafia correta, no português ficou conhecido no Brasil como Jiujitsu desde que se pronucie “Djiuu-djii-tsu”.

Confusão Histórica

A confusão que se instaurou em dizer que a Índia seria a mãe de todas as artes marciais do oriente vem do fato de Bodhidarma, indiano, ter introduzido nos templos de Shaolin, na China, exercícios do Vajra Mushti (antigo estilo de luta da nobreza indiana) como técnicas oficiais para os monges suportarem as longas horas de meditação.
Bodhidarma observou que os monges constantemente desmaiavam e não tinham um bom preparo físico necessário para ficar por horas a fio de forma imóvel, apenas meditando. Dessa forma introduziu exercícios físicos obrigatórios a todos os monges, influenciando os templos para que dali em diante aprimorassem a parte física. Vale ressaltar que alguns monges já praticavam alguns estilos de Kung Fu, mas era algo solitário e sem relação com a disciplina dos templos.
O Vajra Mushti é uma arte antiga, com relatos que datam do século 5 antes de Cristo, mas nada lembra as artes japonesas ou chinesas. Essa confusão aconteceu com o Kung Fu também, já que foi associado como sendo uma especialização desses exercícios. Essa confusão já dissipou porque já foi comprovado que muito tempo antes já existiam estilos de Kung Fu, desde o tempo do Imperador Amarelo (por volta de 2000 antes de Cristo).
Por causa dessa confusão sofismável, creditou que o Kung Fu teria sido originário da Índia, tendo sido exportado para o Japão por comerciantes e monges budistas. O único estilo de Kung Fu que poderia lembrar o Jiujitsu seria o Shuai Jiao, uma espécie de Wrestling chinês conhecido desde o tempo do Imperador Amarelo.
Há relato de comerciantes chineses demonstrando o Shuai Jiao por volta de 1600 no Japão, portanto pode até ser que algum estilo de Jiujitsu tenha sido influenciado, mas nessa época os samurais já de longa data tinham um jiujitsu refinado.

Origens do Jiujitsu

Desde os tempos mais remotos o homem conhecia estilos de luta baseado em grappling como relatos na Bíblia, filósofos gregos, Egito dos faraós ou em cavernas da França no tempo dos Mamutes e tigres dente-de-sabres por volta de 10000 anos antes de Cristo. Hércules era conhecido como um exímio wrestler na mitologia grega antiga.
Alexandre, o Grande, durante a campanha na Índia patrocinou diversos desafios de wrestling entre seus soldados e oficiais contra campeões do mundo inteiro, poderíamos até dizer que os estilos indianos viriam do Pankration grego, mas estaríamos supondo sem provas concretas.
De toda forma o mundo antigo proporcionava contato entre culturas diferentes por meio de guerras e desafios e seria natural que estilos tão distintos fossem exportados, conhecidos e aprimorados por outros povos. Se observármos a história, todos os povos antigos tinham algum estilo de wrestling, desde os gregos, passando pelos persas babilônicos até os japonses.
Não há nada que desabone a origem genuinamente japonesa do Jiujitsu, estilos ancestrais já eram mencionados em livros de crônicas antigos como Nihon Shoki, Kokki ou Kojiki.
chikara-kurabe
No livro de crônicas Nihon Shoki, há relatos de uma competição chamada Chikara-Kurabe, que era uma competição onde lutadores se confrotavam em regras que lembram tanto o Sumô quanto o Jiujitsu. Essa competição se realizou no 7º ano do Imperador Suinin (29AC-70DC), por volta do ano 22 antes de Cristo.
O sistema feudal japonês era fundamentado sobre as castas de samurais divididos em clãs. Um clã era formado por várias famílias tanto de samurais como de agricultores, ambos eram vassalos de um Daimyô que por sua vez era submetido a um Xógum que era quem de fato comandava o Japão. O imperador por muitos séculos foi apenas uma peça de exibição tal qual hoje a rainha da Inglaterra significa para a Grã-Bretanha.
Um clã possuía várias famílias de samurais, essas famílias eram nobres e somente eles podiam praticar artes de guerra como bojutsu (arte com bastão), kenjutsu (arte com a espada), jujutsu (técnica desarmada), entre outras.
Cada clã possuía seu próprio estilo de Jiujitsu e durante os confrontos e desafios as técnicas eram conhecidas pelos adversários. Era crime de traição se um samurai ensinasse as técnicas de um clã para um membro de outro clã, caso isso ocorresse ele deveria praticar o Harakiri (suicídio).
samurai
Por volta do ano 1600 depois de Cristo, existiam cerca de 2000 escolas (RYU) de Jiujitsu no japão, o que corresponde a mais de uma por clã. Os mais famosos eram:
Após o fim do período feudal com o advento da era Meiji (Restauração), os samurais foram marginalizados e tiveram que sobreviver abrindo escolas para leigos, entrando para o recente exército imperial ou assumindo cargos de técnicos em empresas estrangeiros (já que eram bem educados e possuíam conhecimentos em pintura, escrita, poesia e demais artes japoneses, coisa que os cidadãos comuns não possuím por serem analfabetos na sua maioria).
Durante essa época várias escolas se fundiram, a mais célebre de todas como a Kodokan, uniu vários mestres em diferentes estilos de Jiujitsu e unificou várias técnicas, desde estilos tão distintos como Daito-ryu (que deu origem ao Aikido) por meio de Shiro Saigo, passando pelo Fusen-Ryu (onde um lutador apareceu na Kodokan e enfileirou todos os alunos de Jigoro Kano com técnicas de solo, de onde saiu a maioria das técnicas atuais do ne-waza) até o Kito-ryu que o próprio Kano estudou (especializado em técnicas de projeções ou nage-waza). O Daito-ryu também deu origem ao estilo coreano do Hapkido, seu fundador, Choi Yong Sul, o mesclou com o Taekwondo.
Observe abaixo nessa imagem da Kodokan a reunião de vários mestres em diferentes estilos de Jiujitsu que se juntaram a Kodokan:
kodokan
Na linha de baixo sentados, da esquerda para a direita:
..Masamizu Inazu da Miura Ryu
…Yazo Eguchi da Kyushin Ryu
…Takayoshi Katayama da Yoshin Ryu
…Kumon Hoshino da Shiten Ryu
…Jigoro Kano da Kodokan
…Hidemi Totsuka da Totsuka-ha Yoshin Ryu
…Jushin Sekiguchi da Sekiguchi Ryu
…Koji Yano da Takeuchi Ryu
…Katsuta Hiratsuka da Yoshin Ryu
Em pé, da esquerda para direita:
…Kehei Aoyagi da Sosuishi Ryu
…Mogichi Tsumizu da Sekiguchi Ryu
…Hikosaburo Ohshima da Takeuchi Ryu
…Hoken Sato da Kodokan
…Kotaro Imei da Takeuchi Ryu
…Mataemon Tanabe da Fusen Ryu
…Shikataro Takano da Takeuchi Ryu
…Hidekazu Nagaoka da Kodokan
…Sakujiro Yokoyama da Kodokan
…Hajime Isogai da Kodokan
…Yoshiaki Yamashita da Kodokan
Podemos dizer que a Kodokan se tornou a melhor escola de jiujitsu do início do século 20, Jigoro Kano não só estudou outros estilos como convidou diversos mestres de outras escolas, além do que enviou alunos para estudar outros estilos em outras regiões e até outros países. Mas por enfatizar a luta de competição e principalmente com regras que privilegiaram a luta em pé (com golpes de projeções) somado com a retirada de vários golpes considerados perigosos, o Jiujitsu foi definhando e sumiu do mundo.
Jigoro Kano chegou a estudar e adaptar técnicas do Wrestling ocidental (que influenciou nas regras da Kodokan nos anos seguintes como segurar o adversário de costas no chão durante um determinado tempo), além de boxe e outras artes marciais orientais na formação da Kodokan.
Graças a família Gracie que manteve o espírito samurai e privilegiou a luta no solo ensinada por Mitsuyo Maeda, golpes considerados extintos e desconhecidos dos praticantes de Judô modernos foram resgatados. Agora com o sucesso do Jiujitsu nos torneios de Vale-tudo pelo mundo, golpes do Judô que foram perdidos são resgatados de antigos livros e videos mundo afora.
Menção especial ao vídeo “The Essence of Judo” de Kyuzo Mifune que demonstra um Judô próximo de suas origens e lembra bastante o Jiujitsu brasileiro principalmente nas técnicas de solo exibidas.
Mataemon Tanabe, mestre de Fusen Ryu na imagem abaixo:
tanabe
Todas as técnicas famosas do Jiujitsu brasileiro já eram conhecidas da Kodokan e vinham de algum estilo específico do Jiujitsu antigo como Armlock (ude hishigi juji gatame), triangulo (sankaku juji jime), Chave kimura (Gyaku Ude Garami), Americana (Ude Garami), Ezequiel (Sode Guruma Jime), Mata-leão (Hadaka Jime), Relógio (Koshi Jime), Baiana (Morote gari), omoplata (Ashi Garami), Guilhotina (Tate Hishigi), Guilhotina na guarda (Giaku hishigi), Tesoura (Kani Garami), chave de pé (Ashi Dori Garami) e até o denominado gogoplata (Kagato Jime) que o Nino Shembri diz ter criado.
tecnicas
Investigaremos em outro artigo os pioneiros do Jiujitsu no Brasil e como essa arte foi preservada em nossa terra e desapareceu do Japão.


Outras fontes: Algumas edições da revista CombatSport da década de 80, wikipedia, fóruns e ebooks.

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